QUANDO UMA ESTRELA SE VAI


Marinaldo Rocha e Marília Mendonça.



Tarde de sexta-feira, dia 5 de novembro, cá estou no computador e por volta das 14h30 um avião da Azul passa e vejo-o da janela do primeiro andar, onde fica minha mesa de trabalho. Repito mentalmente sempre que vejo um avião no ar: "Quem está embaixo quer estar no lá e quem está lá, quer estar embaixo".
    Uma hora depois, o Brasil é surpreendido com a informação que uma aeronave caiu com uma cantora famosa em Minas Gerais. 
Conheço a rotina de artistas e executivos que viajam constantemente e em minha mente, vem cenas de quando assessorava artistas e semanalmente, pegava avião para shows por todo o país, inclusive, em pequenas aeronaves. Foram tantos embarques e desembarques, impossível saber quantos. Uma vez, peguei a agenda de 1991 e contei 152 voos, uma média de três por semana. Durante aquele período, apenas dois grandes sustos, uma forte turbulência na ponte aérea São Paulo-Rio de Janeiro, tarde da noite. Para quem nunca passou por uma turbulência, ela gera um alto barulho comparável a um descarrilhar de trens. E em outra ocasião, uma chuva quase nos derruba em um jatinho, também entre São Paulo e Rio de Janeiro, a caminho do Domingão do Faustão, num início de domingo. Detalhe: a ponte aérea estava fechada e, para cumprir agenda, tivemos que pegar um jatinho.  
Depois do acidente com os integrantes da banda Mamonas Assassinas e o acidente com Gugu Liberato, o país é surpreendido com a tragédia que leva esta jovem cantora e compositora de destaque, a voz feminina mais ouvida no país nos últimos seis anos, com bastante sucesso, tanto em execução em emissoras de rádio como audições e visualizações nas plataformas digitais. 
Quem é essa moça que durante a pandemia, em abril de 2020,  apresentou-se ao vivo no Youtube e gerou o maior número de visualizações de uma live entre artistas do mundo inteiro? Atualmente, esse vídeo tem 55 millhões de visualizações. 
Marília Mendonça começou a cantar em igreja evangélica, mas optou por cantar na noite para ajudar nas despesas de casa. Tocando violão, passou a compor e cantar o que ela chamava de música de sofrência, nome bacana para a dita música brega, a música com dor de cotovelo. Talentosa, dona de uma voz afinada, simpatia e simplicidade que, aos poucos, foi conquistando o grande público, seja em programas de televisão ou redes sociais. Ontem, antes da divulgação do acidente, ela tinha 38 milhões de seguidores no Instagram, mas em vinte e quatro horas após o anúncio de sua morte, ganhou dois milhões de seguidores. 
Marília Mendonça surgiu na música rompendo barreiras e revolucionou o mercado de música feminino, seja por não ter padrão de beleza, com rosto bonito e angelical, obesa, seja pelo alto astral, aos poucos a cantora mostrou sua marca da mulher que bebe, da mulher que fica alegre, a mulher que sofre, que trai e é traída, que leva chifre do namorado, do marido, do companheiro. Trouxe para o palco dos shows e  programas de televisão, 
a mulher bem humorada, a mulher engraçada, que dá risadas, que está de bem com a vida, ora descalça, ora de tênis, ora de sapatilha, indo de encontro a tudo o que prega os especialistas em marketing das grandes gravadoras e figurinistas descolados. 
 Antes, as cantoras ditas românticas, eram recatadas ou mal humoradas, é só voltar ao passado e lembrar dessas figuras.
O sucesso foi chegando e Marília Mendonça passou a cuidar do corpo e num SPA conheceu a dupla de irmãs gêmeas, Maraia e Maraisa. A partir dai, surge uma leva de cantoras bem humoradas, entre elas, as irmãs, Simone e Simária, contando piadas de bar, tal qual os cantores sertanejos faziam antes. 
Marília Mendonça deu voz às mulheres e abriu caminho para elas num mercado  dominado pelo gênero masculino, o chamado mundo sertanejo, estilo musical popular e que predomina especialmente nos grandes rodeios.       
 Que artista é essa que liga para os fãs? Amigos, colegas e membros da equipe registram a simplicidade, que reflete a conexão com a equipe. Sua imagem carregando violão e mala, apressadamente, sem saber que estava a caminho da aeronave que a levaria para a última viagem, é sinônimo da simplicidade, de não arrogância, marca da popularidade junto ao grande público, que a tinha como ídolo. Esta imagem lembra o Papa Francisco quando esteve no Brasil, pois subiu o avião carregando mala. 
Marília Mendonça teve um papel fundamental e foi um divisor de águas para a consolidação da música sertaneja, como Daniela Mercury foi fundamental para o axé. 
A lamentar, o desencontro de informações divulgadas por quem deveria melhor informar, pois a assessoria, de forma desrespeitosa e irresponsável, emitiu nota afirmando que a artista havia sobrevivido ao acidente de avião, motivando a imprensa disparar fake news. Nesse caso, era melhor a assessoria omitir. Questionou-se que a assessoria guardou a informação correta para uma emissora de televisão. É mais um caso em que a assessoria de uma celebridade mente conscientemente ao passar informações, como foi o caso da morte de Gugu. 
A tregédia com Marília Mendonça ganhou repercussão fora do país, visto que a imprensa do mundo inteiro registrou o ocorrido, pois trata-se de alguém que conquistou premiações de destaque na música internacional. Marília Mendonça deixa um filho que fará dois anos em dezembro, mãe e irmão.   
     
 

Marília Mendonça a caminho da última viagem

*Na foto, Marinaldo Rocha, cabeleireiro e maquiador que produziu Marília Mendonça para um show em Mossoró, em 2016. 


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