Chico Anysio










                                    Chico, um homem encantador

       Quando uma grande figura vai ao encontro do Pai, sua cidade, estado ou país perde um cidadão. Mas se esse cidadão é uma grande figura, dono de um dom, de um talento único,  um ser humano da melhor espécie, é o mundo quem perde um bom filho.
      Estou me reportando ao nosso Chico Anysio, cujo talento é conhecido de todos, mas escrevo para contar um pouco do homem que se escondia por trás de seus personagens. Apesar de que só estive com ele uma única vez, mas foi um dia muito especial, em 1992, portanto, há vinte anos.
      Em São Paulo, adoro frequentar o CTN – Centro de Tradiçöes Nordestinas – um espaço de mais de vinte mil metros quadrados, criado pelo empresário e depois deputado federal, José de Abreu, proprietário da Rádio Atual, emissora com programação totalmente voltada para a comunidade nordestina na maior cidade do país.
      O CTN, que fica anexo a Rádio Atual, é um lugar, aberto e com livre acesso ao público, que reúne bandas e artistas, para shows gratuitos, em torno de dezenas de restaurantes que servem apenas a gastronomia nordestina, claro. Nos finais de semana chega a reunir mais de dez mil pessoas.   
      Como eu trabalhava no meio artístico e convivia também com personalidades nordestinas, passei a falar sobre aquele pedaço de Nordeste em São Paulo e tive sucesso em alguns convites, um desses foi ao cidadão Chico Anysio, cearense de Maranguape.        
      Eu não o conhecia, mas alguém sugeriu o nome dele e me passou seu telefone, da casa da ex-ministra Zélia Cardoso de Melo. Chico e Zélia estavam casados e haviam tido há alguns meses o primeiro filho, Rodrigo. O próprio Chico atendeu o telefone e foi bastante simpático. Aceitou de imediato o convite e, para minha surpresa, já perguntou se eu podia pegá-lo no dia seguinte às 16h, na portaria da Rede Globo, que na época, funcionava no centro de São Paulo, na Marechal Deodoro.
      Quando avisei ao diretor da Rádio Atual, o saudoso Mauricio de Oliveira, ele tomou uma série de providências, porque era uma oportunidade única para alguém com o talento de Chico Anysio pisar naquele templo nordestino. Mesmo que em um dia de semana, uma quinta-feira.  
      Na hora combinada, chego à portaria da Rede Globo juntamente com Chico, que acabara de gravar sua participação para o Fantástico. À época, ele apresentava programa semanal, além dessa participação de alguns minutos no Show da Vida.
       Minha primeira surpresa em relação a pontualidade dele, veio abaixo quando aos poucos o ser humano Chico foi se revelando no trajeto para o CTN. Vestia calça com suspensório e uma camisa de moleton. Na mão, uma sacola de plástico, dessas de supermercado, com alguma coisa. De inicio, elogiou meu sotaque, falou que estava com menino novo em casa, até ousei perguntar se ele estava dormindo bem, porque criança chora à noite. Ele respondeu: “Que nada. Ele dorme bem longe do nosso quarto. Se acordar de madrugada, a babá vem chamar a mãe e ela vai até ele. Não quero ouvir choro de bebê”.
        Parecia que a gente se conhecia de muito tempo. Ele perguntou se eu o assistia. Pedi desculpas e disse que ia falar com sinceridade, mas não o via no programa semanal, porque não achava graça nenhuma, porém, gostava demais dele no Fantástico.  Perguntou algo sobre sua participação no Fantástico. Então eu disse algo que nunca esquecera, um comentário que ele fizera sobre a seleção brasileira: ”Esses jogadores da seleção não têm vício. Não fumam, não bem e também não jogam nada”.
        Ele riu e aproveitei para parabenizar pelo Ibope do seu programa, pois era dos melhores da televisão brasileira. Foi então que ele deu a maior lição de humildade daquele dia. Explicou que dos 29 pontos de Ibope, na verdade, ele era dono apenas de 9 pontos. “Isso porque a TV Globo fora do ar dá 20 pontos no Ibope, portanto, eu dou apenas 9”, disse.
        Chegando ao CTN, fomos recebidos pela direção e pelos proprietários, Maurício de Oliveira, José de Abreu e Cristina, além de funcionários, muitos nem acreditando ainda no que viam, um homem simples, do povo, tal qual  os frequentadores daquele espaço. Logo Chico Anysio foi levado ao estúdio, onde a radialista do horário, a mineira Arilma Guimarães, surpresa e na base do improviso fez uma excelente entrevista. Chico elogiou toda aquela obra idealizada por José de Abreu, um visionário paulista, que até hoje toca esse projeto.
        Após a entrevista, uma rápida passagem na sala da direção, para algumas fotos e percebe-se que Chico na sua simplicidade não é homem de posar para fotos, ele deixa todo mundo à vontade, é como se não se tocasse que fosse uma celebridade, realmente, era alguém que se achava uma pessoa comum. Ali, estava o ser humano, o cearense que deu certo no Sudeste, alguém despido de qualquer vaidade, um estágio atingido somente por grandes homens, donos de talentos incomuns.
       Na volta, pediu para deixá-lo em casa, mas frisou bastante que a casa pertencia a Zélia, nos Jardins, pois sua casa era no Rio de Janeiro. Comentei o fato de estar casado com uma economista, ele soltou que ela era tão econômica, que gastava apenas uma folha de talão de cheque por ano. Fez muitos elogios   sobre o que acabara de ver, perguntou sobre o funcionamento, a frequência, eventos, enfim, tudo o que se relacionava ao CTN e Rádio Atual.
      Passou então a falar no filho Bruno Mazzeo. À época, com uns 15 anos de idade e já se mostrando um talento nato para a dramaturgia. Chico disse que quem iria gostar demais de conhecer o CTN era o Bruno, o filho mais chegado às coisas nordestinas. “Quero que conheça o Bruno e mostre o CTN para ele, porque ele gosta de tudo do Nordeste”, empolgou-se.
        Poucos dias depois, eu soube que ele esteve no programa de Jô Soares e falou em uma possível candidatura a deputado federal. E que Jô perguntou-lhe como faria sua campanha. Disseram-me que ele soltou essa pérola: “Não preciso fazer campanha nenhuma, Jô! Estive no Centro de Tradições Nordestinas, basta eu aparecer uma vez lá e dizer que sou candidato e estarei eleito”.
        Bem, não assisti. Contaram-me. Inclusive, o pessoal da rádio.
        Dele já li dois livros e recomendo: a autobiogafia ‘Sou Francisco’, na qual ele diz que foi parar no meio artístico por causa de um par de tênis. Explicou que quando era rapazinho, costumava jogar bola num campo de futebol com os pés descalços, porém, chegando um dia para uma pelada, a turma decidiu jogar numa quadra. Ele, então, teve que passar em casa para pegar os tênis. A irmã, Lupe Gigliotti, estava de saída com o namorado para um teste de radialista e insistiram para que Chico fosse também. Aceitou o convite e, dentre tantos candidatos, ficou em segundo lugar. Perdeu apenas para Silvio Santos.
        O outro livro que recomendo é ‘Como Segurar Seu Casamento’, onde dá conselhos úteis e irônicos. Disseram-lhe que um livro dele sobre casamento não valia, porque havia casado tantas vezes. Porém, Chico rebateu. Avisou que um homem que casou muitas vezes tem autoridade para falar sobre casamento muito mais do que quem foi casado apenas uma vez e encerrou o assunto dizendo: “Alguém que foi casado trinta anos com dona Maria, não entende de casamento. Entende de dona Maria”.   
        Esse era Chico Anysio.
        Nunca mais o encontrei e nem nos falamos mais.        
        Ficou a lembrança de um ser humano extraordinário, que trata muito bem as pessoas de um modo em geral, especialmente, as mulheres. Um encanto de pessoa, como se dizia antigamente.
        Vai o artista, fica a obra. Vai o homem, fica o exemplo.             
             

Comentários

  1. Lúcia: Pra mim, Chico Anysio é o maior nome da Tv Brasileira. Portanto, já o admirava como o grande artista, o grande mestre que foi. Pelo relato que você faz, fico sabendo, agora, que ele era também uma grande figura, um ser admirável.

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